sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Trem Fantasma reaparece na UEFA

Trem Fantasma reaparece na UEFA
Boêmio-ferroviários seguram melhor ataque, batem Borrachos por 2x0 e ingressam no G8

Cai a noite em Porto Alegre. Outrora de grande expressão político-social, descrita pelo imortal Mário Quintana como 'pequena grande cidade' e hoje apenas  um arremedo de metrópole – mal acabada, mal planejada e, antes mesmo do apogeu, decadente –, esta urbe provinciana conserva, além do ar lúgubre noturno da época das suas lamparinas a gás, a inconfundível tradição da transmissão geracional de suas lendas urbanas e acontecimentos ocultos.

Terra de indígenas, escravos, imigrantes europeus e de conflitos armados, é famosa principalmente pelos episódios ocorridos na rua do Arvoredo, pela santa popular Maria Degolada, pelo Bará do Mercado e, mais recentemente, pelo assassinato do mascote da Copa e pelo Trem Fantasma.

Segundo o folclore local, o aparecimento do espectro de uma grande composição férrea está associado a uma série de estranhos eventos cataclísmicos purgativos ligados ao futebol de verdade – aquele que não tem patrocinadores vultosos, cotas de televisão e troca de favores entre cartolas para definir antecipadamente o campeão. Ainda assim, há seguidamente problemas de ordem política também neste meio, e certos clubes têm muito mais influência, poder de barganha e, não raro, colhem dentro de campo os louros desta duvidosa superioridade de bastidores. Até que, aí, o Trem Fantasma aparece.

Apesar da antiguidade da lenda, que remonta à construção do caminho de ferro entre Porto Alegre e São Leopoldo no final do século XIX quando então os eventos ocorriam geralmente no primeiro semestre de anos excepcionais, estranhamente agora passaram a ser mais frequentes na segunda metade do ano.

Vestígios da passagem do Expresso pelo Muradás: gramados precários.

Pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul atribuem o fenômeno à volta do Expresso da Madrugada às competições oficiais e a uma mudança no equilíbrio de forças da várzea desde então: “O clube sempre foi especialista em competições mais curtas, como era a Farroupilha anteriormente. Com o passar do tempo a organização, temendo pela hegemonia do time que representa, decidiu alterar a competição na essência, aumentando o número de equipes, de jogos, de fases e de classificados, o que tornou-a desinteressante e sujeita a interferências externas. Neste período o Expresso se retirou, mais especificamente em 2009, e não tivemos mais a aparição do espectro depois de 2007, ano em que, durante o inverno, surgiu pela última vez”, explica o alemão oriental Jürgen Sparwasser, Professor-coordenador do projeto ligado à Karl-Marx-Universität, de Leipzig, e homônimo do artilheiro máximo da seleção do leste europeu que chocou o planeta ao vencer os vizinhos capitalistas ocidentais na Copa de 74 com um gol seu. “O que é mais curioso”, complementa ele, “é que os boêmio-ferroviários voltaram a disputar competições oficiais em 2011, e testemunhas contaram ter ficado assustadas com o ressurgimento da composição fantasmagórica, que parte ali de onde fica atualmente a estação Augusto Pestana e segue pelo campo em direção a Canoas por fora dos trilhos, o que pra nós é ainda bastante intrigante. Note-se que em 2011 o Expresso, contrariamente a todos os prognósticos, conquistou o vice-campeonato da UEFA depois de ter chegado em 11º lugar entre 13 times na Farroupilha. Neste ano o aparecimento da Locomotiva da Madrugada, Trem Fantasma ou qualquer que seja o nome que se queira atribuir ao evento, se deu justamente na semana em que o time arrancou um empate em 2x2 com o Corinthians aos 49 minutos do segundo tempo e depois venceu o Borrachos, seu primeiro triunfo na temporada! Quando o departamento médico divulgou que André Maders não teria mais condições de jogar neste ano, soube que o trem logo estaria de volta!”.

Sparwasser está anotando para a RDA contra o capitalismo: inesquecível!
Contra o Borrachos o time demonstrou novamente toda a garra que o caracteriza historicamente. Enfrentaria o melhor ataque da competição, time do artilheiro do campeonato e terceiro colocado na tabela. É verdade que teria reforços de peso entre os jogadores, expressanos de nascimento e que, por uma ou outra razão, não vinham podendo participar da campanha da equipe, e, além deles, retornos importantes como Geverton Ost e Rodrigo Gladiador, ofensivos e com boa qualidade técnica, mas a previsão era de um compromisso duríssimo, o que se confirmou plenamente nos primeiros 45 minutos.
O time levou tempo para acertar a marcação na entrada da área, permitindo a flutuação do centroavante e tabelas perigosíssimas, que só pararam em defesas magistrais de Mateus Trombetta em pelo menos duas oportunidades. Depois disso, conseguiu levar perigo em contragolpes com José Staudt e Cristiano de Souza, na cobrança de falta de Ost direto a gol, onde o goleiro brilhou ao espalmar chute no ângulo, e em dois cruzamentos para a área, um de Cristiano de Souza e outro de Nathan Silva, ambos para José Staudt, que subiu livre no primeiro e errou o golpe de cabeça, e mais livre ainda no segundo, cabeceando com violência, estilo e absoluta inutilidade...

Aos 30 minutos abriu o placar, gol de de Souza depois de receber lindo passe de Gladiador às costas da zaga, resultado que se manteve com certa tranquilidade até o final do primeiro tempo.

No segundo, já com Vinícius Merlo e Martin Both neutralizando-se mutuamente na destruição do time o Expresso cresceu ainda mais. André Silva substituiu a Geverton Ost, de ótima atuação, e soube tirar proveito dos espaços dados pelo adversário para manter a posse de bola e explorar as costas do lateral direito, morto devido à ação incessante de Ost ao longo de 45 minutos; em seguida foi a vez das entradas de Fábio Jorge no lugar de Cristiano de Souza, o que deu velocidade incomparável ao time, e de Vinícius Guimarães na vaga de Rafaelle Rosito, que junto com Ricardo Toscani já haviam dado conta de terminar com a flutuação dos avantes contrários entre as linhas de marcação. Leandro Silveira foi expulso ao salvar gol certo do oponente cometendo falta fora da área quando o atacante seguia livre para marcar o gol, e Guimarães teve, então, que assumir a lateral direita, onde fechou os espaços de maneira perfeita e ainda iniciou boas jogadas de velocidade com André Silva e Fábio Jorge. Para terminar, Fernando Gutheil e Rodrigo Dresch adentraram o campo só para estragar mais o gramado precário do estádio, ambos muito acima do peso. Dresch conseguiu manter a alta intensidade por todos os 10 minutos que jogou, arando o solo com entradas rasteiras; Gutheil nem isso conseguiu fazer, abatido pelo excesso de bacon e condimentos da noite anterior. Pelo menos não sentiu nada no local de sua última lesão, sempre um risco correr alguns minutos com obesidade tão mórbida.

O Expresso prevaleceu sobre o Borrachos na etapa final, e criou inúmeras oportunidades de anotar: André Silva duas vezes, Rodrigo Gladiador, Fábio Jorge e José Staudt, todos tiveram o gol à sua disposição, mas quem acabou anotando, para confirmação da lenda pesquisada pelos alemães, foi Marco Viola ao aparar rebote de cobrança de escanteio, fechando o placar.

Sparwasser estava presente no estádio quando José Staudt igualou o jogo com os arquirrivais alvinegros nos estertores do embate: “Estive em quase todos os jogos do time desde que cheguei ao Brasil. Escolhi esta cidade por ter sido referência em convivência solidária, o que infelizmente não ocorre mais... Pelo menos tenho no Expresso a proximidade máxima com meu time do coração, o Lokomotive Leipzig, clube ligado ao setor ferroviário em meu país, diversas vezes campeão da DDR-Oberliga, da Copa FDGB e finalista da Cup Winners' Cup de 1987 contra o Ajax de Gullit, Van Basten e Rijkaard, quando perdemos por 1x0 em Atenas. Em 2004 fui às lágrimas com a confecção do fardamento amarelo, igual ao do meu Lokomotive, e espero que em 2014 o Expresso novamente homenageie a todos nós, alemães orientais, com um fardamento alusivo aos 10 anos daquele brilhante título em que marcamos 3 gols na final, nenhum deles do zagueiro Guilherme Zardo, vulgo Minhoca!”.

Francesa Onze: Lok. Leipzig e Expresso são representação máxima do futebol comunista.
E o pesquisador alemão tem absoluta razão não só nas conclusões dos seus achados científicos, mas principalmente nas relações que faz entre os eventos pesquisados e o desempenho do time e de alguns de seus jogadores. Tanto é verdade que nos dois últimos jogos os nomes das partidas foram, além do arqueiro Mateus Trombetta, que vem fechando a meta desde sua chegada, os contestados Leandro Silveira e Marco Viola, que anotaram gols, deram assistências e, óbvio, participaram de lances de expulsão; Cristian Pheula nunca mais falhou, Cristiano de Souza assinalou um tento com o pé esquerdo e reapareceram nomes como Nathan Silva, André Silva, Fábio Jorge e, pasmem, Rodrigo Dresch, este último sem ser expulso e mantendo a invencibilidade da retaguarda. Quer dizer, preparem-se: pelo jeito, ninguém mais vai dormir à noite entre a Zona Norte porto-alegrense e as obras da Estrada do Parque...

Expresso da Madrugada 2x0 Borrachos
PT = 1x0
Local: CT Muradás, Canoas
Data: 12/10/13
Horário: 12h

Copa UEFA

Escalação: Mateus Trombetta –  Leandro Silveira, Cristian Pheula, Marco Viola e Nathan Silva; Rafaelle Rosito, Ricardo Toscani, José Staudt(C), Cristiano de Souza e Geverton Ost; Rodrigo Gladiador. (André Silva, Fábio Jorge, Fernando Gutheil, Rodrigo Dresch e Vinícius Guimarães). DT: José Staudt e Vinícius Merlo.

Gols: Cristiano de Souza e Marco Viola.


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