Trem
Fantasma reaparece na UEFA
Boêmio-ferroviários seguram melhor ataque, batem Borrachos por 2x0 e
ingressam no G8
Cai a noite em Porto
Alegre. Outrora de grande expressão político-social, descrita pelo imortal
Mário Quintana como 'pequena grande cidade' e hoje apenas um arremedo de metrópole – mal acabada, mal
planejada e, antes mesmo do apogeu, decadente –, esta urbe provinciana
conserva, além do ar lúgubre noturno da época das suas lamparinas a gás, a
inconfundível tradição da transmissão geracional de suas lendas urbanas e
acontecimentos ocultos.
Terra de indígenas,
escravos, imigrantes europeus e de conflitos armados, é famosa principalmente
pelos episódios ocorridos na rua do Arvoredo, pela santa popular Maria
Degolada, pelo Bará do Mercado e, mais recentemente, pelo assassinato do
mascote da Copa e pelo Trem Fantasma.
Segundo o folclore local, o
aparecimento do espectro de uma grande composição férrea está associado a uma
série de estranhos eventos cataclísmicos purgativos ligados ao futebol de verdade
– aquele que não tem patrocinadores vultosos, cotas de televisão e troca de
favores entre cartolas para definir antecipadamente o campeão. Ainda assim, há
seguidamente problemas de ordem política também neste meio, e certos clubes têm
muito mais influência, poder de barganha e, não raro, colhem dentro de campo os
louros desta duvidosa superioridade de bastidores. Até que, aí, o Trem Fantasma
aparece.
Apesar da antiguidade da
lenda, que remonta à construção do caminho de ferro entre Porto Alegre e São Leopoldo
no final do século XIX quando então os eventos ocorriam geralmente no primeiro
semestre de anos excepcionais, estranhamente agora passaram a ser mais
frequentes na segunda metade do ano.
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Vestígios da passagem do Expresso pelo Muradás: gramados precários. |
Pesquisadores da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul atribuem o fenômeno à volta do
Expresso da Madrugada às competições oficiais e a uma mudança no equilíbrio de
forças da várzea desde então: “O clube sempre foi especialista em competições
mais curtas, como era a Farroupilha anteriormente. Com o passar do tempo a
organização, temendo pela hegemonia do time que representa, decidiu alterar a
competição na essência, aumentando o número de equipes, de jogos, de fases e de
classificados, o que tornou-a desinteressante e sujeita a interferências
externas. Neste período o Expresso se retirou, mais especificamente em 2009, e
não tivemos mais a aparição do espectro depois de 2007, ano em que, durante o
inverno, surgiu pela última vez”, explica o alemão oriental Jürgen Sparwasser,
Professor-coordenador do projeto ligado à Karl-Marx-Universität, de
Leipzig, e homônimo do artilheiro máximo da seleção do leste europeu que chocou
o planeta ao vencer os vizinhos capitalistas ocidentais na Copa de 74 com um gol
seu. “O que é mais curioso”, complementa ele, “é que os boêmio-ferroviários
voltaram a disputar competições oficiais em 2011, e testemunhas contaram ter
ficado assustadas com o ressurgimento da composição fantasmagórica, que parte
ali de onde fica atualmente a estação Augusto Pestana e segue pelo campo em
direção a Canoas por fora dos trilhos, o que pra nós é ainda bastante
intrigante. Note-se que em 2011 o Expresso, contrariamente a todos os
prognósticos, conquistou o vice-campeonato da UEFA depois de ter chegado em 11º
lugar entre 13 times na Farroupilha. Neste ano o aparecimento da Locomotiva da
Madrugada, Trem Fantasma ou qualquer que seja o nome que se queira atribuir ao
evento, se deu justamente na semana em que o time arrancou um empate em 2x2 com
o Corinthians aos 49 minutos do segundo tempo e depois venceu o Borrachos, seu
primeiro triunfo na temporada! Quando o departamento médico divulgou que André
Maders não teria mais condições de jogar neste ano, soube que o trem logo
estaria de volta!”.
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Sparwasser está anotando para a RDA contra o capitalismo: inesquecível! |
Contra o Borrachos o time
demonstrou novamente toda a garra que o caracteriza historicamente. Enfrentaria
o melhor ataque da competição, time do artilheiro do campeonato e terceiro colocado
na tabela. É verdade que teria reforços de peso entre os jogadores, expressanos
de nascimento e que, por uma ou outra razão, não vinham podendo participar da
campanha da equipe, e, além deles, retornos importantes como Geverton Ost e
Rodrigo Gladiador, ofensivos e com boa qualidade técnica, mas a previsão era de
um compromisso duríssimo, o que se confirmou plenamente nos primeiros 45
minutos.
O time levou tempo para
acertar a marcação na entrada da área, permitindo a flutuação do centroavante e
tabelas perigosíssimas, que só pararam em defesas magistrais de Mateus
Trombetta em pelo menos duas oportunidades. Depois disso, conseguiu levar
perigo em contragolpes com José Staudt e Cristiano de Souza, na cobrança de
falta de Ost direto a gol, onde o goleiro brilhou ao espalmar chute no ângulo,
e em dois cruzamentos para a área, um de Cristiano de Souza e outro de Nathan
Silva, ambos para José Staudt, que subiu livre no primeiro e errou o golpe de
cabeça, e mais livre ainda no segundo, cabeceando com violência, estilo e
absoluta inutilidade...
Aos 30 minutos abriu o
placar, gol de de Souza depois de receber lindo passe de Gladiador às costas da
zaga, resultado que se manteve com certa tranquilidade até o final do primeiro
tempo.
No segundo, já com Vinícius
Merlo e Martin Both neutralizando-se mutuamente na destruição do time o
Expresso cresceu ainda mais. André Silva substituiu a Geverton Ost, de ótima
atuação, e soube tirar proveito dos espaços dados pelo adversário para manter a
posse de bola e explorar as costas do lateral direito, morto devido à ação
incessante de Ost ao longo de 45 minutos; em seguida foi a vez das entradas de
Fábio Jorge no lugar de Cristiano de Souza, o que deu velocidade incomparável
ao time, e de Vinícius Guimarães na vaga de Rafaelle Rosito, que junto com
Ricardo Toscani já haviam dado conta de terminar com a flutuação dos avantes
contrários entre as linhas de marcação. Leandro Silveira foi expulso ao salvar
gol certo do oponente cometendo falta fora da área quando o atacante seguia livre
para marcar o gol, e Guimarães teve, então, que assumir a lateral direita, onde
fechou os espaços de maneira perfeita e ainda iniciou boas jogadas de
velocidade com André Silva e Fábio Jorge. Para terminar, Fernando Gutheil e
Rodrigo Dresch adentraram o campo só para estragar mais o gramado precário do
estádio, ambos muito acima do peso. Dresch conseguiu manter a alta intensidade
por todos os 10 minutos que jogou, arando o solo com entradas rasteiras;
Gutheil nem isso conseguiu fazer, abatido pelo excesso de bacon e condimentos
da noite anterior. Pelo menos não sentiu nada no local de sua última lesão,
sempre um risco correr alguns minutos com obesidade tão mórbida.
O Expresso prevaleceu sobre
o Borrachos na etapa final, e criou inúmeras oportunidades de anotar: André
Silva duas vezes, Rodrigo Gladiador, Fábio Jorge e José Staudt, todos tiveram o
gol à sua disposição, mas quem acabou anotando, para confirmação da lenda
pesquisada pelos alemães, foi Marco Viola ao aparar rebote de cobrança de
escanteio, fechando o placar.
Sparwasser estava presente
no estádio quando José Staudt igualou o jogo com os arquirrivais alvinegros nos
estertores do embate: “Estive em quase todos os jogos do time desde que cheguei
ao Brasil. Escolhi esta cidade por ter sido referência em convivência
solidária, o que infelizmente não ocorre mais... Pelo menos tenho no Expresso a
proximidade máxima com meu time do coração, o Lokomotive Leipzig, clube ligado
ao setor ferroviário em meu país, diversas vezes campeão da DDR-Oberliga, da Copa
FDGB e finalista da Cup Winners' Cup de 1987 contra o Ajax de Gullit, Van
Basten e Rijkaard, quando perdemos por 1x0 em Atenas. Em 2004 fui às lágrimas
com a confecção do fardamento amarelo, igual ao do meu Lokomotive, e espero que
em 2014 o Expresso novamente homenageie a todos nós, alemães orientais, com um
fardamento alusivo aos 10 anos daquele brilhante título em que marcamos 3 gols
na final, nenhum deles do zagueiro Guilherme Zardo, vulgo Minhoca!”.
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Francesa Onze: Lok. Leipzig e Expresso são representação máxima do futebol comunista. |
E o pesquisador alemão tem
absoluta razão não só nas conclusões dos seus achados científicos, mas
principalmente nas relações que faz entre os eventos pesquisados e o desempenho
do time e de alguns de seus jogadores. Tanto é verdade que nos dois últimos
jogos os nomes das partidas foram, além do arqueiro Mateus Trombetta, que vem
fechando a meta desde sua chegada, os contestados Leandro Silveira e Marco
Viola, que anotaram gols, deram assistências e, óbvio, participaram de lances
de expulsão; Cristian Pheula nunca mais falhou, Cristiano de Souza assinalou um
tento com o pé esquerdo e reapareceram nomes como Nathan Silva, André Silva,
Fábio Jorge e, pasmem, Rodrigo Dresch, este último sem ser expulso e mantendo a
invencibilidade da retaguarda. Quer dizer, preparem-se: pelo jeito, ninguém
mais vai dormir à noite entre a Zona Norte porto-alegrense e as obras da
Estrada do Parque...
Expresso da Madrugada 2x0
Borrachos
PT = 1x0
Local: CT Muradás, Canoas
Data: 12/10/13
Horário: 12h
Copa UEFA
Escalação: Mateus Trombetta
– Leandro Silveira, Cristian Pheula,
Marco Viola e Nathan Silva; Rafaelle Rosito, Ricardo Toscani, José Staudt(C),
Cristiano de Souza e Geverton Ost; Rodrigo Gladiador. (André Silva, Fábio
Jorge, Fernando Gutheil, Rodrigo Dresch e Vinícius Guimarães). DT: José Staudt
e Vinícius Merlo.
Gols: Cristiano de Souza e
Marco Viola.
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